Ali estava eu, sozinho na praia. Ao longe podia perceber os recortes de outra pessoa, estava a pescar. Ali, em pé, de cana na mão, estático. Estive a olhá-lo durante um tempo, não se mexia. Talvez não fosse um bom dia para a pesca. Mas o que importa isso! Ele continuava ali. Firme das pernas, tranquilo.
Eu sentado nas pedras, com o calor a percorrer-me todo o meu corpo, senti os olhos pesados. Pensei em dormir.
Apesar da vontade, não cedi. Voltei-me para trás e tirei um livro. Num gesto súbito, a contrariar o peso do meu corpo dormente do sol, estiquei o braço direito e apanhei o livro. Pus-me a ler.
Aos poucos o prazer da leitura fazia vibrar todo o meu corpo. Por breves instantes submergi na história, e passei a imaginar os acontecimentos, as escolhas de Meursault «O Estrangeiro». Também eu a tentar adivinhar-lhe um final.
De tempos a tempos a espuma branca do mar vinha acariciar-me os pés. Sentia o frio da água que contrastava com o meu corpo dormente e quente do sol. Quando isso acontecia sentia um pequeno arrepio a inundar-me o corpo. Pensei, é tão bom! ao contrário do «Estrangeiro» eu estava livre, enquanto ele estava preso. Eu podia ver e sentir o mar. Ele apenas podia recordar a sua última caminhada na areia escaldante. Ainda assim sentia-se livre dentro das quatro paredes que eram agora o seu quarto. No meio deste pensamento voltei a sentir vontade de dormir. Pousei o livro e recostei a cabeça para trás. Por sorte tinha a pedra perfeita para amparar o meu corpo dormente.
Fiquei assim uns instantes mas despertei quando ouvi um barco a aproximar-se da praia. Nele vinham três pessoas. O homem que nesse instante manuseava um caiaque, salta para a água e põe-se a remar. Atrás ficaram as duas mulheres.
Mesmo a chegar ao areal, quando caiaque estava por cima da onda, num gesto traiçoeiro de mar, virou-se. Vi o caiaque a bater nas pedras e noto o corpo do homem a enrolar-se na ondulação. De repente vejo-o a erguer-se novamente. Ainda tinha os remos nas mãos. Sorri de maneira trocista.
Depois de refeito do embate apressou-se a verificar o caiaque, voltando em seguida para a beira-mar. Parecia procurar qualquer coisa. As duas mulheres falavam com ele mas a distância e o som das ondas na areia não deixava perceber. Ficou ali durante um tempo. Olhava para o fundo do mar, olhava para as mulheres. De repente puxou o caiaque e remou para o barco.
Fiquei cansado de propor cenários com aqueles três. As horas passaram como uma brisa leve de primavera, era tarde e tinha fome. Voltei a pensar na história de Meursault, em como um homem que cometera um crime de sangue acabara por ser condenado pela sua vida, pela sua maneira de sentir. Fiquei satisfeito com o que tinha lido e também abandonei a praia nesse instante.
Fotografias
Ribeira de São Tomé - S. Jorge
fotos da minha viagem de barco
Na Vila do Topo - São Jorge, Açores